A
ideia de que "opiniões" publicadas nas redes sociais estão livres de
responsabilização jurídica tem se tornado cada vez mais insustentável
A
ideia de que “opiniões” publicadas nas redes sociais estão livres de
responsabilização jurídica tem se tornado cada vez mais insustentável,
sobretudo no caso de influenciadores digitais com
grande alcance. Uma recente decisão judicial no interior de São Paulo reforça
os limites da liberdade de expressão no
ambiente virtual e aponta para um caminho mais sólido na responsabilização
por discursos discriminatórios na internet.
Em março
de 2025, a 4ª Vara Cível da Comarca de
Indaiatuba/SP condenou a influenciadora Michele
Dias Abreu ao pagamento de R$
35 mil por danos morais coletivos, em razão de postagens
que associavam as tragédias climáticas no Rio Grande do Sul a religiões de
matriz africana. Segundo as publicações, o número de
praticantes dessas religiões seria responsável pelas enchentes que atingiram a
região.
A
sentença foi proferida na ação de indenização nº
1005191-07.2024.8.26.0248 e destacou que a liberdade de
expressão não é um direito absoluto,
podendo ser limitada quando violar outros direitos
fundamentais, como a liberdade religiosa, a honra e a dignidade
das pessoas.
Quando
a opinião ultrapassa os limites legais?
O
juiz responsável pelo caso ponderou que, embora a liberdade de expressão esteja
protegida constitucionalmente, seu abuso pode configurar crimes como:
Calúnia
Injúria
Difamação
Ameaça
Apologia
ao crime
Racismo
ou intolerância religiosa
Segundo
a fundamentação da sentença, acreditar que uma religião é verdadeira
não constitui ofensa, mas deslegitimar a existência de outras fés e
associá-las a tragédias naturais configura discurso de ódio, com
potencial de gerar danos coletivos à imagem de grupos religiosos específicos.
Responsabilidade
das plataformas: o papel do Facebook e Google no caso
Além
da influenciadora, também figuraram como rés na ação as empresas Facebook e Google,
por serem responsáveis pela hospedagem do conteúdo. No entanto, o juiz afastou
a responsabilização das plataformas, considerando que ambas cumpriram,
de forma tempestiva, a ordem judicial para remoção do conteúdo,
dentro do prazo de 48 horas.
Essa
decisão reafirma o entendimento jurisprudencial de que as
plataformas digitais não respondem automaticamente por conteúdos de terceiros,
desde que atuem com diligência ao serem
notificadas judicialmente sobre conteúdos ilegais.
O
impacto da decisão para a internet brasileira
A
sentença, embora ainda sujeita a recurso, é relevante por representar mais um
passo na consolidação da responsabilização de
agentes no ambiente digital. Em tempos de disseminação
de desinformação, discurso de ódio e intolerância religiosa,
decisões como essa ajudam a reafirmar que a internet não é uma terra sem lei.
Esse
posicionamento do Judiciário é especialmente importante diante do crescimento
da influência de criadores de conteúdo e do impacto que suas mensagens podem
ter na opinião pública e na convivência social.
Ao
reconhecer os limites legais da liberdade de expressão,
o Judiciário reafirma que direitos fundamentais não podem ser
relativizados em nome de supostas opiniões pessoais,
especialmente quando esses discursos atacam diretamente comunidades já
historicamente vulnerabilizadas.
Bianca
Wosh - advogada do escritório Alceu Machado, Sperb &
Bonat Cordeiro Advocacia na
área do Direito Civil e Empresarial.